Uma visão clara para caminhos possíveis no novo ciclo
Começo a escrever este texto na Lua Minguante. Foi neste ano que me deparei fortemente com a energia lunar na minha vida. Há especialmente cinco anos me dedico com comprometimento ao conhecimento de mim mesma. Pesquisa, entrega, confiança são palavras que definem esse processo. Mas foi agora, em 2021, que fui de fato ver os efeitos da Lua em mim. Já faz um tempo que eu vivencio esse ser atravessada e não atravessar algo: a água do rio que me banha, não eu que sou banhada pela água. A inspiração me preenche, não eu que me inspirei. Me esvaziar de autocentramento é estranho num primeiro momento, essencial num segundo, e extremamente libertador num terceiro. Mas é, inquestionavelmente, um caminho árduo. Para não dizer muito penoso.
A gente vive uma vida inteira acostumados, ensinados e doutrinados a acreditarmos que tudo acontece centralizado em nós. Em nós, aqui, eu quero dizer nos humanos. Vivemos e construímos uma sociedade absolutamente centralizada nos seres humanos. É algo a se refletir com comprometimento. Eu gosto do questionamento e acredito cada vez mais que a verdadeira educação acontece a partir da pergunta. Me ajusto mais, hoje em dia, com a resposta que não aparece fechada, que vem com outro ponto de interrogação. Tenho gostado dessa abordagem do viver tal como gosto do ar quente de verão entrando pela janela numa tarde ensolarada.

Foram nesses caminhos percorridos de me esvaziar de mim, de certezas, de teorias, expectativas e tantas outras coisas que me encontrei vivamente com a Terra. Comecei a perceber que quanto mais eu me desgrudava de mim, mais leve eu me tornava, mais preenchida de natureza e de vida eu ficava. Lembro de escrever um texto para a Terra, em um dos episódios em que me dei conta disso visceralmente, a partir de uma vivência intensa de desapego e medo. Compartilho ele aqui:
A Terra como medicina. De qualquer dor, de toda perda, de toda ilusão. A Terra como mãe que vem oferecer colo quando tudo se desencontra. A Terra que nos oferece vida, quando nos tornamos um recipiente vazio, disponível, aberto.
O azul celestial que faz do céu e do mar um só, que em meio aos seus verdes, nos vêm dizer que fazemos parte. Que viemos do solo, que também somos feitos de barro, que a vida é impermanência pura, e que não temos controle sobre nada.
Esse conjunto de texturas que nos fazem pecinhas frágeis e ao mesmo tempo fortes de um grande sistema vivo e interdependente, e vem dizer que estamos prontos. Para seguir o chamado da vida. Para amar. Para ser. Simples e puramente ser. Na forma mais vital e completa que existe, seres vivos que somos. E que continuaremos sendo,
apesar da(s) morte(s).
Crescer e se reeducar é um percurso que começa a acontecer inevitavelmente em algum momento das nossas vidas. Para mim, quando algo começou a me deslocar de uma vida que acontecia a partir de um autocentramento (e autocentramento aqui, é importante entender, é uma vida egocêntrica, egoísta, focada e identificada no ego) para uma abertura em ser atravessada completamente pela vida, isso me fez enxergar a existência de uma outra maneira.
A Lua veio então, neste ano, e complementou essa trajetória de conhecimento de si. Através da mandala lunar - um exercício de autoconhecimento feito mês a mês - numa autopercepção apurada de aspectos emocionais e físicos em cada fase lunar, pude sentir essa energia pertinho, me amparando e me desestruturando atráves das águas emocionais, dos ossos cambaleando, da vida indo e vindo feito maré dentro de mim.
Encontrei uma mulher expandindo, se conhecendo cada vez mais em todos os seus aspectos, e vislumbrando um horizonte de possibilidade através desse contato mais aprumado com a Lua. A Lua é yin, é uma energia feminina, que fala do emocional, da intuição, da introspecção, da água. A natureza aguada, escorrida, e cheia de fluxo e nuances da Terra é muito definida por essa energia. Dessa mesma maneira, dentro de nós também somos esse escorrer o tempo inteiro, sentindo, pensando, vivenciando, experimentando.
A partir desse olhar mais fiel para si mesma, pode-se visualizar rumos mais significativos para a vida. Em um ano que vai chegando ao fim, é inevitável olhar para aquilo que foi construído, trabalhado e gerado neste último ciclo. Os ciclos lunares são bem diferentes do calendário gregoriano; ainda assim, o rito de fechamento de ciclo é sempre importante. As culturas ancestrais sempre enfatizaram a importância dos ritos de passagem, e já passa da hora de resgatarmos e honrarmos essas culturas e todos seus ensinamentos.
Ritualizar é necessário, é potente, traz solidez e poder para o novo período. Seja o início de uma nova morada, relacionamento, casa, é preciso consolidar a transformação energética daquele momento e realizar nossa homenagem. Um ciclo que se encerra traz à tona pensamentos reflexivos sobre o que foi possível e o que não foi mas, principalmente, nos aponta onde e no quê queremos melhorar. Este fim de ano vai se encerrar com a Lua minguante se tornando Nova, justamente o momento lunar que fechamos algo para iniciar outra etapa. Hora cheia de potência para uma reavaliação interna e para desenhar caminhos possíveis (sem culpa ou julgamento em relação ao que passou) para o tempo por vir.
PS: Acabo de escrever este texto já em Lua Nova, destacando a impermanência sempre tão abordada em diversos caminhos de autoconhecimento. Lá no início se fechava, aqui se abrem novas possibilidades. O eterno nascer e morrer em vida, e a chamada para a rendição ao mistério da existência. Mistério esse que integra energia lunar, comunhão com a natureza, silêncio, atenção plena e tantas outras facetas que serão tratadas por aqui.